sábado, 27 de junho de 2009

Poema "Sábados", Jorge Luis Borges



Sábados


Lá fora há um ocaso, obscura jóia

engastada no tempo,

e uma recôndita cidade cega

de homens que não te viram.

A tarde cala ou canta.

Alguém descrucifica os anseios

cravados no piano.

Sempre a abundância da tua beleza.


A despeito do teu desamor,

a tua beleza

prolonga o seu milagre pelo tempo.

A felicidade mora em ti

tal como a Primavera num folha nova.

Não sou quase ninguém,

sou apenas o anseio

que se perde na tarde.

Em ti mora o prazer

tal como a crueldade nas espadas.


Carregando as persianas vem a noite.

Na sala tão severa, como cegos,

Procuram-se uma à outra as nossas solidões.

Sobreviveu à tarde

a brancura gloriosa da tua carne.

No nosso amor há uma pena

parecida com a alma.


Tu

que ainda ontem eras só toda a beleza

és agora também todo o amor.


Jorge Luis Borges


Fonte: Livro "Fervor de Buenos Aires" (1923).


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